advogado que escreveu uma petição em forma de versos (rima/poesia), pedindo ao juiz a soltura de um violão apreendido — possivelmente - Falando com Autoridade

28 maio 2025

advogado que escreveu uma petição em forma de versos (rima/poesia), pedindo ao juiz a soltura de um violão apreendido — possivelmente

 

Habeas Pinho

Na Paraíba, alguns elementos que faziam uma serena foram presos. Embora liberados no dia seguinte, o violão foi detido. Tomando conhecimento do acontecido. o famoso poeta e senador Ronaldo Cunha Lima, já falecido, enviou uma petição ao Juiz da Comarca, em versos, solicitando a liberação do instrumento musical.

Eis a peça redigida pelo advogado Senador Ronaldo Cunha Lima:

Exmo. Sr. Juiz Roberto Pessoa de Sousa.

O instrumento do “crime” , que se arrola

Nesse processo de contravenção

Não é faca, revolver ou pistola,

Simplesmente, Doutor, é um violão.

Um violão, doutor, que em verdade

Não feriu nem matou um cidadão

Feriu, sim, mas a sensibilidade

De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,

Instrumento de amor e de saudade

O crime a ele nunca se mistura

Entre ambos inexiste afinidade.

O violão é próprio dos cantores

Dos menestréis de alma enternecida

Que cantam mágoas que povoam a vida

E sufocam as suas próprias dores.

O violão é música e é canção

É sentimento, é vida, é alegria

É pureza e é néctar que extasia

É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório.

Mas seu destino, não, se perpetua.

Ele nasceu para cantar na rua

E não para ser arquivo de Cartório.

Ele, Doutor, que suave lenitivo

Para a alma da noite em solidão,

Não se adapta, jamais, em um arquivo

Sem gemer sua prima e seu bordão

Mande entregá-lo, pelo amor da noite

Que se sente vazia em suas horas,

Para que volte a sentir o terno acoite

De suas cordas finas e sonoras.

Liberte o violão, Doutor Juiz,

Em nome da Justiça e do Direito.

É crime, porventura, o infeliz

Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, afinal, será pecado,

Será delito de tão vis horrores,

Perambular na rua um desgraçado

Derramando nas praças suas dores?

Mande, pois, libertá-lo da agonia

(a consciência assim nos insinua)

Não sufoque o cantar que vem da rua,

Que vem da noite para saudar o dia.

É o apelo que aqui lhe dirigimos,

Na certeza do seu acolhimento

Juntada desta aos autos nós pedimos

E pedimos, enfim, deferimento.


Recebida a petição inicial pelo Juiz, este proferiu a seguinte decisão, também em versos:


Recebo a petição escrita em verso

E, despachando-a sem autuação,

Verbero o ato vil, rude e perverso,

Que prende, no Cartório, um violão.

Emudecer a prima e o bordão,

Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,

É desumana e vil destruição

De tudo que há de belo no universo.

Que seja Sol, ainda que a desoras,

E volte á rua, em vida transviada,

Num esbanjar de lágrimas sonoras.

Se grato for, acaso ao que lhe fiz,

Noite de luz, plena madrugada,

Venha tocar á porta do Juiz.

(a) Roberto Pessoa de Sousa, Juiz de Direito.

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